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A mochila, o chapeuzinho e a corneta
Grimm Märchen

A mochila, o chapeuzinho e a corneta - Contos de fadas dos Irmãos Grimm

Tempo de leitura para crianças: 17 min

Houve, uma vez, três irmãos, que foram ficando sempre mais pobres, até que, por fim a miséria chegou a tal ponto que começaram a padecer fome; nada mais tendo para botar na boca, disseram:

– Assim não podemos continuar; é melhor sair a correr mundo para ver se encontramos dona sorte. Puseram-se a caminho e foram andando por estradas íngremes, campos e bosques, mas nada de encontrar a sorte. Um belo dia, chegaram a uma grande floresta, no meio da qual havia um morro; aproximaram-se dele e viram que era todinho de prata. Então, o mais velho disse:

– Meu desejo está realizado, encontrei a sorte; nada mais peço. Apanhou tanta prata quanto lhe era possível carregar e voltou para casa. Mas os outros dois disseram:

– Queremos que a sorte nos dê algo mais do que simples prata. Não tacaram nela e prosseguiram o caminho. Alguns dias depois, chegaram a uma montanha que era inteirinha de ouro. O segundo irmão, parou, refletiu um pouco indeciso, e disse de si para si: „Que devo fazer? Levo tanto ouro que me baste para o resto da vida, ou vou mais adiante?“ – Por fim decidiu-se; encheu os bolsos tanto quanto lhe foi possível, despediu-se do irmão e voltou para casa. Mas o terceiro disse:

– Ouro e prata são coisas que não me comovem: não quero renunciar ao que me reserva a sorte, pois acredito que terei coisa melhor. Continuou andando e, depois de três dias, chegou a uma floresta ainda maior que as precedentes, que parecia não ter fim. Mas como não tinha nada para comer e beber, ele sentia-se morrer de fome. Então trepou numa árvore muito alta para ver se de lá descortinava o limite da floresta; mas, a perder de vista, tanto quanto seus olhos podiam alcançar, só via copas de árvores e nada mais. Torturado pela fome, resolveu descer, e pensava: „Ah, se ao menos pudesse acalmar meu estômago!“ Suspirando, escorregou para o chão e, qual não foi seu espanto ao ver debaixo da árvore uma linda mesa coberta das mais finas iguarias! – Eis que, desta vez, meu desejo foi atendido no momento oportuno. Sem se preocupar em saber quem tinha trazido a comida e nem quem a havia preparado, sentou-se e comeu com grande apetite o que lá estava, até ficar empanturrado. Após ter comido e bebido, pensou. „É pena deixar esta toalha tão fina estragar-se aqui na floresta, é melhor levá-la.“ Dobrou-a, cuidadosamente, e guardou-a no alforje. Em seguida, continuou o caminho; ao entardecer, sentindo fome novamente, quis experimentar se a toalha possuia algum dom especial; estendeu-a no chão e disse:

– Toalhinha, quero que me sirvas uma boa comida. Mal acabara de exprimir esse desejo, a toalha logo se cobriu de pratos cheios dos mais deliciosos quitutes. – Agora posso ver a cozinha onde se preparam minhas refeições; tu me serás mais preciosa do que as montanhas de ouro e de prata. Com efeito, percebeu que a toalhinha era mágica. Entretanto, ela, por si só, não era suficiente para fazê-lo voltar para casa. Achou que devia, mais uma vez, tentar a sorte. E continuou andando, até que um dia, ao anoitecer, encontrou na floresta um carvoeiro todo enegrecido pelo carvão, que estava assando algumas batatas no fogo. – Olá! Boa-noite, Melro, como passas aqui nesta solidão? – Um dia igual ao outro, – respondeu o carvoeiro, – e todas as noites, batatas! Se quiseres, podes ser meu conviva. – Muito obrigado, – respondeu o moço, – não quero diminuir tua ração. Tu, certamente, não contavas com um hóspede e não tens muito o que comer; mas se lhe apraz, quero que sejas meu convidado. – Ora, e quem é que prepara o jantar? Pois vejo que não trazes nada contigo, e aqui não há ninguém que possa fornecer-te alguma coisa, a não ser a algumas horas de distância daqui. – No entanto, – respondeu a sorrir o moço, – teremos uma ceia como tu jamais tiveste a felicidade de provar. Tirou a toalha do alforje, estendeu-a no chão, e disse:

– Toalhinha, põe a mesa. Imediatamente surgiram guisados e assados, fumegantes como se acabassem de sair da cozinha. O carvoeiro ficou espantado, arregalou os olhos, mas não se fez de rogado; tratou de servir-se copiosamente, metendo bocados enormes dentro da boca enegrecida. Após ter comido regaladamente, sorriu feliz e disse:

– Escuta; essa toalhinha me agrada e vir ia a calhar perfeitamente aqui na floresta, onde ninguém me prepara nada de bom. Gostaria de propor-te uma troca. Olha lá naquele canto, está dependurada uma velha mochila de soldado; está velha e estragada, é verdade, mas ela é dotada de uma força mágica; ora, como eu não preciso mais dela, gostaria de trocá-la por essa toalhinha. – Sim, porém antes quero saber que dom ela possui, – replicou o moço. – Digo-te já. Todas as vezes que bateres nela com a mão, sairá do seu interior um oficial com seis homens, armados de mosquetes e facão, e tudo o que lhes ordenares será prontamente executado. De minha parte, se é realmente como dizes, aceito a permuta. Entregou a toalhinha ao carvoeiro, tirou a mochila do gancho, meteu-a às costas e despediu-se. Depois do ter andado um bocado de tempo, quis experimentar se a mochila tinha de fato o dom que lhe dissera o carvoeiro; bateu nela com a mão e, imediatamente, apresentaram-se os sete heróis; o oficial disse-lhe:

– Que quer o meu amo e senhor? – Quero que, em marcha forçada, volteis à casa do carvoeiro para reclamar a restituição da minha toalha mágica. Os soldados deram meia-volta e daí a pouco já vinham trazendo o objeto pedido que, sem grande cerimônia, haviam tomado do carvoeiro. O moço ordenou que se recolhessem e continuou o caminho sempre com a esperança de ser ainda favorecido pela sorte. Quando o sol se punha, chegou à casa de outro carvoeiro, que estava preparando o jantar no fogo. O fuliginoso compadre disse-lhe:

-Se te aprouver o meu jantar, algumas batatas com sal, mas sem gordura, acomoda-te. – Não, muito obrigado, – respondeu o moço, – desta vez serás meu hóspede. Estendeu a toalhinha no chão e esta logo se cobriu do melhor que se possa imaginar. Sentaram-se os dois, comeram e beberam alegremente e depois o carvoeiro disse:

– Sobre aquela prateleira, eu tenho um chapeuzinho velho e esfarrapado, o qual, porém, é dotado de um dom especial: se alguém o mete na cabeça e o faz girar, vê surgir as colubrinas, em número de doze, que postadas em fila reta, se põem a funcionar atirando e destruindo tudo o que encontram e vencem qualquer resistência. Para mim o chapeuzinho não tem mais serventia, por isso gostaria de trocá-lo pela tua toalha. – Podemos trocar, – disse o moço. Pôs o chapeuzinho na cabeça e deixou em troca a toalhinha. Não havia ainda caminhado meia légua, bateu na mochila e mandou que os soldados fossem buscar a toalha na casa do carvoeiro. „Uma cereja atrai a outra, – pensou, – e tenho a impressão que a sorte vai me favorecer ainda mais.“ E não se enganava. Após mais um dia de caminho, chegou à casa de um terceiro carvoeiro, que também lhe ofereceu batatas sem gordura. O moço agradeceu e ofereceu-lhe o jantar fornecido pela toalha mágica. O carvoeiro aceitou e ficou tão satisfeito, que acabou por presenteá-lo com uma corneta, cujo dons eram superiores aos do chapeuzinho. Se alguém soprava nela, logo ruíam as fortalezas, as cidades e as aldeias. O moço deu-lhe em troca a toalha, mas, logo em seguida, mandou a soldadesca recuperá-la; dessa maneira acabou possuindo tudo: a mochila, o chapeuzinho e a corneta, além da esplêndida toalha. – Agora estou feito, – disse, – e é tempo de voltar para casa, quero saber como estão passando meus irmãos. Chegando à sua cidade, viu que seus irmãos, com a fortuna adquirida, haviam construído uma linda casa e viviam regaladamente. Foi ter com eles, mas como vestia uma roupa muito esfarrapada e tinha aquele velho chapéu ensebado na cabeça, além daquela mochila feia nas costas, os irmãos não puderam reconhecê-lo e zombaram, dizendo:

– Apresentas-te aqui como sendo nosso irmão, o qual desdenhou o ouro e a prata sonhando coisas melhores. Ele, porém, não virá assim; quando vier será em meio a grande pompa, numa carruagem suntuosa como um rei e não feito um mendigo como tu. Rindo e escarnecendo, enxotaram-no de sua presença. Mas o rapaz não gostou da brincadeira, ficou louco de raiva e bateu na mochila até reunir cento e cinquenta soldados que se postaram enfileirados. Depois ordenou que cercassem a casa dos irmãos, enquanto dois deles, munidos de uma vara de aveleira, eram incumbidos de dar uma boa sova nos dois pretensiosos, a fim de que aprendessem com quem estavam lidando. Desencadeou-se um grande motim; muitas outras pessoas acorreram para socorrer os dois irmãos, mas contra os soldados nada puderam fazer. Foram então avisar o rei, o qual, muito indignado, destacou um batalhão, ordenando ao comandante que expulsasse da cidade aquele perturbador da ordem pública. O dono da mochila, quando viu o batalhão, num abrir e fechar de olhos convocou tantos soldados que repeliram os do comandante, batendo-os vergonhosamente. Então o rei disse:

– Temos de domar esse vagabundo insolente. No dia seguinte, mandou um contingente ainda maior contra ele; mas foi pior. Ele contrapôs forças muito superiores e, para acabar logo com o barulho, fez girar mais vezes o chapeuzinho, cuja artilharia se pôs a funcionar loucamente, dizimando os soldados e obrigando os demais a fugir. Quando as coisas se acalmaram, ele disse:

– Agora não aceitarei a paz enquanto o rei não me der a filha por esposa e mais o reino para governar em seu nome. Enviou essa mensagem ao rei, que foi ter com a filha, dizendo:

– O dever é uma noz muito dura, mas que posso fazer senão atender as suas exigências? Se tenho de conservar meu reino e obter a paz, sou obrigado a sacrificar-te! Diante disso, tiveram de aceitar e o casamento realizou-se. Mas a princesa estava furiosa por ter sido obrigada a casar com um simples homem da plebe, o qual, ainda por cima, não tirava aquele chapéu imundo da cabeça e aquela horrível mochila das costas. Com que prazer se livraria dele se pudesse! Pensava nisso dia e noite, até que por fim lhe ocorreu uma ideia: todas as suas forças não provinham acaso daquela mochila? Tornou-se dissimulada. Passou a tratá-lo carinhosamente, fazendo-lhe mil agrados e, quando viu que ele estava todo enternecido, disse-lhe:

– Gostaria tanto que te despojasses dessa mochila horrível! Ficas tão feio assim, que eu me envergonho de ti.

– Querida menina, – respondeu ele, – esta mochila representa meu maior tesouro; enquanto a tiver, força alguma neste mundo poderá amedrontar-me. E contou-lhe de que dom mágico era dotada. A princesa atirou-se-lhe ao pescoço como se o fosse beijar mas, com um gesto rapidíssimo, arrancou-lhe a mochila das costas e fugiu a toda a pressa. Assim que ficou só, bateu com a mão na mochila e logo apareceram os soldados; então ordenou que prendessem o antigo amo e o carregassem para fora do palácio real. Os soldados obedeceram e a traidora mandou ainda mais tropas contra ele, para que o enxotassem do reino. Naturalmente o moço estaria perdido se não tivesse o seu chapeuzinho. Assim que pôde livrar-se das mãos dos soldados, fê-lo girar várias vezes: imediatamente a artilharia começou a troar e tudo o que estava ao seu alcance começou a ruir. A princesa, então, viu-se obrigada a ir pessoalmente pedir-lhe clemência. Suplicou de modo tão comovedor, prometeu tão seriamente corrigir-se, que ele acreditou e deixou-se persuadir a fazer as pazes. Durante algum tempo ela mostrou-se gentilíssima, fingindo amá-lo com a maior sinceridade, empregou toda a sua arte para ludibriá-lo até que o induziu a confiar-lhe o segredo da sua força: mesmo apoderando-se da mochila, nada contra ele poderia enquanto conservasse o velho chapeuzinho. De posse do segredo, a princesa esperou que ele estivesse dormindo e aproveitou a oportunidade para tomar o chapéu e mandar jogá-lo no meio da rua. O moço enfureceu-se com isso, mas como ainda lhe restava a corneta, assoprou nela com quantas forças podia e, num relâmpago, começaram a ruir muralhas, fortalezas, cidades e aldeias. No meio desses escombros todos, foram encontrados os corpos do rei e da princesa, sem vida. Se não tivesse cessado, em tempo, de tocar a corneta, certamente acabaria desmoronando tudo, sem ficar pedra sobre pedra. Mas deteve-se em tempo e foi bom; porque, já não tendo mais ninguém que lhe fizesse objeções, ele acabou reinando sozinho para sempre.

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Informação para análise científica

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Valor
NúmeroKHM 54
Aarne-Thompson-Uther ÍndiceATU Typ 569
TraduçõesDE, EN, DA, ES, PT, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson40.5
Flesch-Reading-Ease Índice24.6
Flesch–Kincaid Grade-Level12
Gunning Fog Índice17.3
Coleman–Liau Índice11
SMOG Índice12
Índice de legibilidade automatizado8.8
Número de Caracteres12.321
Número de Letras9.714
Número de Sentenças122
Número de Palavras2.130
Média de Palavras por frase17,46
Palavras com mais de 6 letras490
percentagem de palavras longas23%
Número de Sílabas4.142
Média de Sílabas por palavra1,94
Palavras com três sílabas550
Percentagem de palavras com três sílabas25.8%
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