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Era uma vez um pobre pescador e sua mulher. Eram pobres, muito pobres. Moravam numa choupana à beira-mar, num lugar solitário. Viviam dos poucos peixes que ele pescava. Poucos porque, de tão pobre que era, ele não possuía um barco: não podia aventurar-se ao mar alto, onde estão os grandes cardumes. Tinha de se contentar com os peixes que apanhava com os anzóis ou com as redes lançadas no raso.

Sua choupana, de pau-a-pique era coberta com folhas de palmeira. Quando chovia a água caía dentro da casa e os dois tinham de ficar encolhidos, agachados, num canto.
Não tinham razões para serem felizes. Mas, a despeito de tudo, tinham momentos de felicidade. Era quando começavam a falar sobre os seus sonhos. Algum dia ele teria sorte, teria uma grande pescaria, ou encontraria um tesouro – e então teriam uma casinha branca com janelas azuis, jardim na frente e galinhas no quintal. Eles sabiam que a casinha azul não passava de um sonho. Mas era tão bom sonhar! E assim, sonhando com a impossível casinha azul, eles dormiam felizes, abraçados.
Era um dia comum como todos os outros. O pescador saiu muito cedo com seus anzóis para pescar. O mar estava tranqüilo, muito azul. O céu limpo, a brisa fresca. De cima de uma pedra lançou o seu anzol. Sentiu um tranco forte. Um peixe estava preso no anzol. Lutou. Puxou. Tirou o peixe. Ele tinha escamas de prata com barbatanas de ouro. Foi então que o espanto aconteceu. O peixe falou. „Pescador, eu sou um peixe mágico, anjo dos deuses no mar. Devolva-me ao mar que realizarei o seu maior desejo…“ O pescador acreditou. Um peixe que fala deve ser digno de confiança. „Eu e minha mulher temos um sonho,“ disse o pescador. „Sonhamos com uma casinha azul, jardim na frente, galinhas no quintal… E mais, roupa nova para minha mulher…“
Ditas estas palavras ele lançou o peixe de novo ao mar e voltou para casa, para ver se o prometido acontecera. De longe, no lugar da choupana antiga, ele viu uma casinha branca com janelas azuis, jardim na frente, e galinhas no quintal e, à frente dela, a sua mulher com um vestido novo – tão linda!

Começou a correr e enquanto corria pensava: „Finalmente nosso sonho se realizou! Encontramos a felicidade!“
Foi um abraço maravilhoso. Ela ria de felicidade. Mas não estava entendendo nada. Queria explicações. E ele então lhe contou do peixe mágico. „Ele me disse que eu poderia pedir o que quisesse.

E eu então me lembrei do nosso sonho…“ Houve um momento de silêncio. O rosto da mulher se alterou. Cessou o riso. Ficou séria. Ela olhou para o marido e, pela primeira vez, ele lhe pareceu imensamente tolo: „Você poderia ter pedido o que quisesse? E por que não pediu uma casa maior, mais bonita, com varanda, três quartos e dois banheiros? Volte. Chame o peixe. Diga-lhe que você mudou de idéia.“
O marido sentiu a repreensão e sentiu-se envergonhado. Obedeceu. Voltou. O mar já não estava tão calmo, tão azul. Soprava um vento mais forte. Gritou: „Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!“ O peixe apareceu e lhe perguntou: „O que é que você deseja?“ O pescador respondeu „Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido uma casa maior, com varanda, três quartos e dois banheiros!“ O peixe lhe disse: „Pode ir. O desejo dela já foi atendido.“ De longe o pescador viu a casa nova, grande, do jeito mesmo como a mulher pedira.
„Agora ela está feliz,“ ele pensou. Mas ao chegar à casa o que ele viu não foi um rosto sorridente. Foi um rosto transtornado. „Tolo, mil vezes tolo! De que me vale essa casa nesse lugar ermo, onde ninguém a vê? O que eu desejo é um palacete num condomínio elegante, com dois andares, muitos banheiros, escadarias de mármore, fontes, piscina, jardins. Volte! Diga ao peixe desse novo desejo!“
O pescador, obediente, voltou. O mar estava cinzento e agitado. Gritou: „Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!“ O peixe apareceu e lhe perguntou: „O que é que você deseja?“ O pescador respondeu „Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido um palacete num condomínio elegante…“ Antes que ele terminasse o peixe disse: „Pode voltar. O desejo dela já está satisfeito.“
Depois de muito andar – agora ele já não morava perto da praia – chegou à cidade e viu, num condomínio rico, um palacete tal e qual aquele que sua mulher desejava. „Que bom,“ ele pensou. „Agora, com seu desejo satisfeito, ela deve estar feliz, mexendo nas coisas da casa.“ Mas ela não estava mexendo nas coisas da casa. Estava na janela. Olhava o palacete vizinho, muito maior e mais bonito que o seu, do homem mais rico da cidade. O seu rosto estava transtornado de raiva, os seus olhos injetados de inveja.
„Homem, o peixe disse que você poderia pedir o que quisesse. Volte. Diga-lhe que eu desejo um palácio de rainha, com salões de baile, salões de banquete, parques, lagos, cavalariças, criados, capela.“
O marido obedeceu. Voltou. O vento soprava sinistro sobre o mar cor de chumbo. „Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!“ O peixe apareceu e lhe perguntou: „O que é que você deseja?“ O pescador respondeu „Minha mulher me disse que eu deveria ter pedido um palácio com salões de baile, de banquete, parques, lagos…“ – „Volte!,“ disse o peixe antes que ele terminasse.

„O desejo de sua mulher já está satisfeito.“
Era magnífico o palácio. Mais bonito do que tudo aquilo que ele jamais imaginara. Torres, bosques, gramados, jardins, lagos, fontes, criados, cavalos, cães de raça, salões ricamente decorados… Ele pensou: „Agora ela tem de estar satisfeita. Ela não pode pedir nada mais rico.“
O céu estava coberto de nuvens e chovia. A mulher, de uma das janelas, observava o reino vizinho, ao longe. Lá o céu estava azul e o sol brilhava. As pessoas passeavam alegremente pelo campo.
„De que me serve este palácio se não posso gozá-lo por causa da chuva? Volte, diga ao peixe que eu quero ter o poder dos deuses para decretar que haja sol ou haja chuva!“
O homem, amedrontado, voltou. O mar estava furioso. Suas ondas se espatifavam no rochedo.

„Peixe encantado, de escamas de prata e barbatanas de ouro!“ – ele gritou. O peixe apareceu. „Que é que sua mulher deseja?,“ ele perguntou. O pescador respondeu: „Ela deseja ter o poder para decretar que haja sol ou haja chuva!“
O peixe falou suavemente. „O que vocês desejavam era felicidade, não era?“ – „Sim,“ respondeu o pescador. „A felicidade é o que nós dois desejamos.“ – “ Pois eu vou lhes dar a felicidade!“ O pescador riu de alegria. „Volte,“ disse o peixe. „Vá ao lugar da sua primeira casa. Lá você encontrará a felicidade…“ E com estas palavras desapareceu.
O pescador voltou. De longe ele viu a sua casinha antiga, a mesma casinha de pau-a-pique coberta de folhas de coqueiro. Viu sua mulher com o mesmo vestido velho. Ela colhia verduras na horta. Quando ela o viu veio correndo ao seu encontro. „Que bom que você voltou mais cedo,“ ela disse com um sorriso. „Sabe? Vou fazer uma salada e sopa de ostras, daquelas que você gosta. E enquanto comemos, vamos falar sobre a casinha branca com janelas azuis…E depois vamos dormir abraçados“ .
Ditas essas palavras ela segurou a mão do pescador enquanto caminhavam, e foram felizes para sempre.

Antecedentes
Interpretações
Língua
„O Pescador e sua Mulher“, um conto dos Irmãos Grimm, explora temas profundos sobre ambição, contentamento e a busca pela felicidade. O relato começa com um pescador pobre e sua esposa, que vivem modestamente em uma choupana à beira-mar. Quando o pescador captura um peixe mágico que promete realizar seus desejos em troca de liberdade, ele inicialmente pede pela realização de um sonho simples: uma casinha branca com janelas azuis, um jardim e galinhas no quintal. Este desejo é rapidamente atendido.
Porém, a satisfação da esposa é fugaz, e ela rapidamente deseja mais: uma casa maior, depois um palacete num condomínio elegante, e por fim, um grandioso palácio cheio de luxos. Sua cobiça cresce a cada conquista, a ponto de ela desejar o poder dos deuses para controlar o clima. Este ciclo de desejos cada vez mais extravagantes destaca a insaciabilidade humana, demonstrando que a busca incessante por mais pode nos afastar do verdadeiro contentamento.
Ao final, o peixe decide restabelecer a simplicidade original do casal, devolvendo-os à sua choupana ordinária. Ironia, porém, é que, em sua simplicidade original, encontram a verdadeira felicidade, não mais corrompidos pela busca interminável por mais riquezas e poder.
A conclusão desse conto oferece uma lição valiosa sobre o valor da simplicidade e a compreensão de que a verdadeira felicidade não reside na acumulação de bens materiais, mas no contentamento com o que já temos e na apreciação das pequenas alegrias cotidianas.
„O Pescador e Sua Mulher“ é um conto que apresenta múltiplas interpretações, especialmente quando se examina o comportamento da mulher e as lições morais implícitas na narrativa.
A Natureza do Desejo Humano: A narrativa pode ser vista como uma alegoria sobre a insaciável natureza dos desejos humanos. A cada novo desejo atendido, a mulher não encontra a satisfação esperada, mas sim uma nova insatisfação que a leva a pedir mais. Este ciclo ininterrupto de desejos simboliza a busca interminável por mais riqueza ou status, que muitas vezes leva à infelicidade, em vez de à realização.
Contentamento e Felicidade: No final, o peixe oferece o que o casal realmente desejava desde o início: felicidade. No retorno à sua humilde morada, o casal redescobre a essência da felicidade genuína, que não vem de posses materiais, mas sim do amor, da simplicidade e do estar juntos. Isto sugere que a verdadeira felicidade não depende de riquezas externas, mas sim de contentamento interno e conexões significativas.
A Sabedoria do Peixe Mágico: O peixe pode ser interpretado como uma figura sábia que compreende melhor o que o casal realmente precisa do que eles próprios. Ao retirar deles tudo que é material para devolver-lhes sua vida simples e modesta, o peixe demonstra que às vezes precisamos perder o que julgamos essencial para realmente compreender o que importa.
Crítica ao Materialismo: A história também pode ser vista como uma crítica ao materialismo e ao consumismo, mostrando como a busca incessante por status e bens materiais pode nos afastar de valores importantes, como o amor e a simplicidade.
Relacionamentos e Comunicação: A progressão dos desejos da mulher e a obediência cega do pescador também podem ser vistas como um comentário sobre relacionamentos e a importância de comunicação e compreensão mútua. O pescador segue os desejos da mulher sem questionamento ou discussão, e isso os leva, repetidamente, à infelicidade.
Em suma, „O Pescador e Sua Mulher“ é uma narrativa rica que oferece reflexões sobre a natureza do desejo humano, a busca por felicidade e a necessidade de olhar para o interior em vez de buscar constantemente mais no exterior.
A análise linguística do conto de fadas „O pescador e sua mulher“ dos Irmãos Grimm revela diversos aspectos interessantes sobre a linguagem e a estrutura narrativa da história.
Simplicidade e Clareza: O conto é contado de maneira simples e direta, característica comum das histórias dos Irmãos Grimm. A linguagem é clara e acessível, permitindo que pessoas de várias idades compreendam a narrativa sem dificuldade.
Repetição: A repetição é uma técnica comum em contos de fadas que ajuda a enfatizar o tema central. Neste conto, as idas e vindas do pescador para falar com o peixe mágico criam um ritmo repetitivo que reflete a crescente insatisfação da mulher e a progressão dos seus desejos.
Diálogos: Os diálogos são utilizados de forma eficaz para revelar o caráter e as intenções das personagens. A mulher, por exemplo, é apresentada como alguém insaciável e ambiciosa através de suas demandas crescentes. Em contraste, o peixe fala pouco, mas suas palavras são decisivas e carregadas de significado.
Simbologia: O peixe mágico representa a oportunidade ou sorte que pode mudar o destino das pessoas. A casinha azul, por outro lado, simboliza o desejo de felicidade e contentamento do casal. A transição da simplicidade para a complexidade material reflete a insatisfação humana constante.
Moral e Temática: A história aborda temas como a ganância, a insatisfação e a busca pela felicidade. A mensagem subjacente sugere que a felicidade verdadeira não se encontra nas posses materiais, mas sim no contentamento com o que já se possui. A resolução da história, com o casal voltando para sua humilde casa original, reforça essa lição moral.
Descrições Visuais: As descrições visuais – como a casinha branca com janelas azuis, o palácio majestoso ou o mar agitado – ajudam a criar imagens vívidas na mente do leitor, enriquecendo a experiência de leitura e tornando o cenário um elemento expressivo da história.
Estrutura Narrativa: O conto segue uma estrutura tradicional com introdução, desenvolvimento, clímax e desfecho. A evolução dos desejos da mulher gera um crescente conflito que é resolvido com uma intervenção mágica, retornando ao status quo, porém com um novo entendimento do que realmente constitui a felicidade.
Em resumo, a análise linguística deste conto destaca como a linguagem e a estrutura narrativa são cuidadosamente construídas para transmitir mensagens profundas através de uma história aparentemente simples. As escolhas lexicais e estruturais dos autores reforçam os temas centrais e a moral da história, criando um conto de fadas atemporal e universal.
Informação para análise científica
Indicador | Valor |
---|---|
Número | KHM 19 |
Aarne-Thompson-Uther Índice | ATU Typ 555 |
Traduções | DE, EN, DA, ES, FR, PT, FI, HU, IT, JA, NL, PL, RO, RU, TR, VI, ZH |
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson | 27.8 |
Flesch-Reading-Ease Índice | 37.5 |
Flesch–Kincaid Grade-Level | 10.2 |
Gunning Fog Índice | 12.8 |
Coleman–Liau Índice | 10.3 |
SMOG Índice | 11.5 |
Índice de legibilidade automatizado | 3.9 |
Número de Caracteres | 7.171 |
Número de Letras | 5.539 |
Número de Sentenças | 141 |
Número de Palavras | 1.249 |
Média de Palavras por frase | 8,86 |
Palavras com mais de 6 letras | 237 |
percentagem de palavras longas | 19% |
Número de Sílabas | 2.367 |
Média de Sílabas por palavra | 1,90 |
Palavras com três sílabas | 292 |
Percentagem de palavras com três sílabas | 23.4% |