Tempo de leitura para crianças: 10 min
Atenção: Esta é uma história assustadora.
Houve, uma vez, uma mulher que era uma autêntica bruxa e tinha duas filhas; uma feia e má, a quem muito amava, porque era a filha verdadeira; e uma bonita e boa, que detestava, porque era sua enteada. Certa vez, a enteada ganhou um avental muito bonito. que agradou particularmente à outra; cheia de inveja, esta disse à mãe que queria a todo custo o avental.
– Fica sossegada, minha filha, que hás de tê-lo, – disse a velha. – Tua irmã merecia estar morta há muito tempo; esta noite, quando estiver dormindo, virei e lhe cortarei a cabeça. Tu, tem o cuidado de deitar-te bem para trás na cama, e empurrá-la para a frente. E a pobre moça estaria perdida se não tivesse ouvido tudo do canto em que se achava. Nesse dia, não lhe foi permitido sair de casa e, quando chegou a hora de dormir, teve de deixar a irmã dormir do lado da parede, que era o seu, e ficar ela do lado de fora. Mas, assim que a irmã adormeceu, puxou-a cuidadosamente para a beirada da cama e ela deitou-se no lugar junto à parede. Durante a noite, a velha entrou sorrateiramente no quarto; na mão direita trazia a machadinha, com a esquerda apalpou se havia alguém no lugar indicado, depois agarrou a machadinha com as duas mãos e, com um golpe violento, decepou a cabeça da própria filha. Assim que ela saiu do quarto, a enteada levantou-se, correu à casa do namorado, que se chamava Rolando, e bateu à porta. Quando ele saiu, disse-lhe:
– Escuta, meu querido Rolando, temos de fugir depressa; minha madrasta queria matar-me, mas acertou na filha. Quando amanhecer e vir o que fez, nós estaremos perdidos. – Sim, mas aconselho-te que leves a varinha mágica, pois, se nos persegue, não poderemos salvar-nos. A moça furtou a varinha mágica; depois, pegando a cabeça da morta, deixou pingar três gotas de sangue no chão. Em seguida, fugiu com o namorado. Pela manhã, quando a bruxa levantou-se da cama, chamou a filha para entregar-lhe o avental, mas a filha não apareceu. Então gritou:
– Onde estás? – Estou aqui varrendo a escada! – respondeu uma das gotas de sangue. A velha foi ver, mas não havia ninguém lá; então, gritou novamente:
– Onde estás? – Estou aqui na cozinha, aquecendo-me ao fogo! – respondeu a segunda gota de sangue. A velha foi até à cozinha, mas não viu ninguém. Gritou pela terceira vez:
– Onde estás? – Estou aqui na cama, dormindo. – Gritou a terceira gota de sangue. Ela entrou no quarto e aproximou-se da cama. E que foi que viu? A filha, à qual ela mesma havia cortado a cabeça, jazia lá mergulhada numa poça de sangue. A bruxa ficou furiosa; precipitou-se à janela e, tendo o dom de enxergar muito longe, viu a enteada fugindo, com o namorado. – Não adianta nada, – resmungou ela, – embora estejais bastante longe, não me escapareis. Calçou as botas de sete léguas, que lhe permitiam num passo fazer o caminho de uma hora, e daí a pouco alcançou-os. Mas a enteada, vendo-a chegar, com a varinha mágica transformou o amado num lago e ela mesma numa pata nadando no meio dele. A bruxa deteve- se a margem do lago, jogou migalhas de pão a fim de atrair a pata, mas a pata não se deixou seduzir e, ao entardecer, a velha teve de voltar para casa sem ter conseguido nada. A moça e o namorado retomaram o verdadeiro aspecto e foram andando. Andaram a noite toda até de madrugada. Então ela transformou-se numa linda flor, balançando-se entre um cerrado espinheiro e, seu amado Rolando num violinista. Pouco depois, chegou a velha apressada e disse ao violinista:
– Meu bom violinista, posso colher aquela linda flor aí no meio do espinheiro? Oh sim – respondeu ele, – enquanto isso eu
tocarei para que o consigas. Quando a velha se meteu no meio do espinheiro para colher a flor, que ela bem sabia quem era, ele começou a tocar. Então a velha, querendo ou não, teve de dançar, porque aquela era música encantada que a isso obrigava. Quanto mais depressa ele tocava, mais furiosamente ela dançava; os espinhos arrancaram-lhe os farrapos do corpo, picando-a, arranhando-a e esfolando-a toda e, como ele não cessava de tocar, ela teve de dançar até cair morta. Uma vez livres dela, Rolando disse:
– Agora irei à casa de meu pai a fim de preparar a festa de bodas. – Enquanto isso ficarei aqui à tua espera, – disse a moça, – e, para que ninguém me reconheça, transformar-me-ei numa pedra vermelha. Rolando despediu-se e foi-se embora; e, sob a forma de uma pedra vermelha, a moça ficou aí no campo, esperando-o. Mas, ao chegar em casa, Rolando caiu na rede de outra sereia e esqueceu a noiva. A pobrezinha esperou-o longamente e, vendo que ele nunca mais voltava, ficou desolada e transformou-se numa flor, pensando tristemente: „Alguém há de passar por aqui e me pisara!“
Aconteceu, porém, que um pastor, ao levar o rebanho a pastar nesse campo, viu a flor e, como era muito bonita, colheu-a, levou-a para casa e guardou-a numa gaveta. A partir desse momento, em casa do pastor aconteciam fatos extraordinários. Pela manhã, ao levantar-se. encontrava sempre a casa toda arrumada; a sala varrida, a mesa e os bancos espanados, o fogo aceso e o balde cheio de água no seu lugar. Ao meio-dia, quando voltava do campo, encontrava a mesa posta com deliciosa comida. Ele não conseguia compreender como tudo isso sucedia, porquanto em casa nunca entrava ninguém e naquele pobre casebre não havia de esconder-se. Gostava, sem dúvida, de estar tão bem servido, mas a um certo momento sentiu receio e resolveu pedir conselho a uma adivinha. Ela disse-lhe:
– Há alguma bruxaria nisso. Deves fazer o seguinte: de manhã, pela madrugada, espia bem para ver se qualquer coisa se mexe na sala; se vires algo, seja lá o que for, atira-lhe em cima um pano branco, assim se quebrará o encanto. O pastor seguiu o conselho e, na manhã seguinte, aí pela madrugada, viu abrir-se a gaveta e dela sair a flor. De um salto atirou-lhe em cima um pano branco. Imediatamente cessou o encanto: diante dele estava uma linda moça, a qual lhe confessou que era a flor e que lhe havia cuidado da casa durante todo o tempo desde que a colhera. Contou-lhe as desventuras todas, e ele gostou tanto dela que lhe pediu para ser sua mulher; mas ela respondeu:
– Não, não posso, porque amo a Rolando. Apesar de ter-me ele esquecido, quero ser-lhe sempre fiel. Prometeu, porém, não ir-se embora e continuar a cuidar da casa dele. Enquanto isso, chegou o dia em que Rolando ia celebrar casamento com a outra; e, segundo o costume antigo daquela região, foram convidadas todas as moças para comparecer e cantarem em honra dos noivos. A fiel moça entristeceu-se profundamente, a ponto de sentir o coração despedaçar-se e não queria comparecer; mas as outras moças da região foram buscá-la e ela teve de ir. Quando chegou sua vez de cantar, ela que ficara para trás até que todas tivessem acabado, não pôde esquivar-se e cantou. Ao ouvi-la, Rolando deu um pulo e gritou:
– Eu conheço essa voz! É essa a minha verdadeira noiva e não quero outra. Tudo o que havia esquecido e banido da mente, voltou-lhe como um relâmpago à memória e ao coração novamente. Então, a fiel namorada casou com o querido Rolando e o sofrimento terminou na mais completa alegria.

Antecedentes
Interpretações
Língua
„O Querido Rolando“ é um conto fascinante dos Irmãos Grimm que encapsula muitos dos elementos centrais dos contos de fadas: bruxaria, transformação mágica, perseverança e o triunfo final do amor verdadeiro.
A história começa com a clássica dinâmica de uma enteada maltratada por sua madrasta, que neste caso é uma bruxa. A enteada é alvo de ciúmes por parte da irmã feia e má, que é filha biológica da bruxa. A trama avança rapidamente para uma situação de vida ou morte, da qual a enteada escapa graças à sua astúcia e à ajuda do seu amado, Rolando.
Os elementos mágicos são abundantes, desde uma varinha mágica até a capacidade das personagens de se transformarem para enganar a bruxa perseguidora. Essas transformações não apenas servem como dispositivos de enredo, mas também simbolizam a adaptabilidade e inteligência necessárias para superar desafios aparentemente insuperáveis.
No entanto, a história toma um rumo inesperado quando Rolando, após livrar-se da bruxa, esquece sua verdadeira amada ao cair sob os encantos de outra mulher. Esta parte do conto ressalta o motivo do esquecimento e da fidelidade inabalável, temas comuns nos contos de fadas.
A diligência e lealdade da enteada são eventualmente recompensadas, mesmo depois de ser transformada em uma flor e cuidada pelo pastor. Este período de espera simboliza a paciência e a esperança persistente frente a circunstâncias adversas.
Finalmente, a história culmina no reencontro dos amantes, provocado pela música e pela voz da enteada. A música, mais uma vez, atua como um símbolo poderoso, capaz de transcender o tempo e o espaço para reacender lembranças e sentimentos profundos.
„O Querido Rolando“ encapsula temas de transformação, amor verdadeiro e justiça poética. É uma narrativa envolvente que oferece o conforto de um final feliz após uma série de provações e tribulações.
„O Querido Rolando“ é uma história que oferece inúmeras interpretações, especialmente quando analisamos seus temas e simbolismos à luz dos contos de fadas tradicionais reunidos pelos Irmãos Grimm. Vamos explorar algumas dessas possíveis interpretações.
Um dos principais temas do conto é o amor verdadeiro e a fidelidade. A enteada, mesmo diante de inúmeras adversidades e da aparente traição de Rolando, mantém-se fiel a ele. Sua transformação em pedra vermelha, e posteriormente em flor, simboliza sua resiliência e paciência. Ela espera por Rolando até o momento em que as circunstâncias a levam a um novo lar, mas ela continua fiel a ele, recusando o pedido de casamento do pastor.
A bruxa e sua filha representam as forças do mal e da inveja. A história mostra que a maldade e as intenções nefastas, como a trama da bruxa para matar a enteada, acabam se voltando contra os próprios vilões. A velha, apesar de seus poderes mágicos, é enganada por pequenos truques e por sua própria ganância, acabando por dançar até a morte. Isso reforça a ideia de que más intenções resultam em consequências negativas para o próprio malfeitor.
Transformações mágicas são comuns em contos de fadas e, neste conto, simbolizam adaptação e sobrevivência. A capacidade da protagonista de se transformar em diferentes objetos e seres reflete seu desejo de proteção e sua inteligência em situações de perigo. As transformações também podem ser vistas como uma metáfora para a dificuldade de encontrar a própria identidade em meio a pressões externas e circunstâncias adversas.
O conto culmina em uma celebração de superação, em que o sofrimento e a desolação da protagonista terminam em alegria completa. Essa reviravolta é típica dos contos de fadas, onde a esperança e a justiça prevalecem no final. O retorno da memória de Rolando à sua verdadeira noiva simboliza o triunfo do amor verdadeiro sobre as distrações temporárias e enganosas.
Elementos mágicos, como a varinha mágica e as botas de sete léguas, são símbolos do poder e das habilidades extraordinárias que ajudam a separar o bem do mal. A varinha mágica, em particular, é um dispositivo que protege e dá poder à protagonista, permitindo que ela escape e se defenda das ameaças.
Em síntese, „O Querido Rolando“ é uma história rica em simbolismo, abordando temas de amor, fidelidade e justiça, enquanto explora as consequências do mal e a capacidade de transformação e resiliência frente à adversidade. Como muitos contos de fadas, oferece uma visão de mundo onde a virtude é recompensada e o mal é punido.
O conto „O Querido Rolando“ dos Irmãos Grimm oferece inúmeras oportunidades para análise linguística e literária, refletindo temas clássicos encontrados em contos de fadas, além de utilizar recursos estilísticos característicos desse gênero.
A narrativa segue a estrutura típica dos contos de fadas, com elementos como o conflito entre o bem e o mal, a presença de personagens arquetípicos (a madrasta malvada, a enteada virtuosa, o herói), e uma trajetória com desafios que culminam em um final feliz. O conto começa com o estabelecimento do cenário e dos personagens, se desenvolve através de uma série de transformações e perseguições, e finaliza com a resolução dos conflitos.
Bem contra o Mal: A oposição entre a enteada boa e a madrasta má é central ao conto, exemplificando o arquetípico conflito moral.
Transformação e Engano: Há vários episódios de transformação, tanto mágicos (a enteada e Rolando mudando de forma para fugir) quanto emocionais (a percepção de Rolando sobre quem é sua verdadeira amada).
Fidelidade e Amor Verdadeiro: A lealdade da enteada a Rolando, mesmo quando ele a esquece, destaca o valor da fidelidade.
Engano e Justiça Poética: A madrasta sofre as consequências de sua maldade, um final comum em contos de fadas que busca estabelecer uma justiça moral.
Diálogo e Repetição: O uso de diálogos diretos (por exemplo, a madrasta falando com as gotas de sangue) e a repetição de frases criam um ritmo e enfatizam ações ou características importantes. A repetição também ajuda a memorizar o conto, uma característica crucial em tradições orais.
Descrições e Imagens Vivas: As descrições, mesmo sendo sucintas, são vívidas e efetivas para criar imagens mentais. A transformação dos personagens, o vermelho do sangue e o cenário bucólico do final servem para ambientar a narrativa de forma visual.
Simbologia: Elementos como o „pano branco“ e „a flor“ são repletos de simbologia. O pano branco é associado à quebra de encantos—a revelação da verdade—, e a flor simboliza a beleza e a fragilidade da enteada.
Estilo Formal e Linguagem Arcaica: O uso de uma linguagem ligeiramente arcaica e formal confere ao conto uma sensação de antiguidade e solenidade, apropriada ao gênero e ao público-alvo original, que frequentemente era adulto.
Objetos Mágicos: A varinha mágica e as botas de sete léguas são ferramentas que facilitam e intensificam a narrativa mágica.
Animais Falantes e Mágicos: Transformações em animais, como a enteada em uma pata, são comuns, simbolizando mudança, proteção e inteligência astuta.
„O Querido Rolando“ preserva e exemplifica as tradições dos contos de fadas coletados pelos Irmãos Grimm, encapsulando temas universais de amor, traição, redenção e triunfo do bem sobre o mal. A linguagem empregada, junto com a estrutura narrativa, influencia a forma como essas histórias antigas ressoam com leitores de todas as idades, garantindo sua permanência e relevância através dos séculos.
Informação para análise científica
Indicador | Valor |
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Número | KHM 56 |
Aarne-Thompson-Uther Índice | ATU Typ 1119 |
Traduções | DE, EN, DA, ES, PT, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH |
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson | 34.9 |
Flesch-Reading-Ease Índice | 30.4 |
Flesch–Kincaid Grade-Level | 12 |
Gunning Fog Índice | 15.7 |
Coleman–Liau Índice | 9.4 |
SMOG Índice | 12 |
Índice de legibilidade automatizado | 6.9 |
Número de Caracteres | 7.114 |
Número de Letras | 5.520 |
Número de Sentenças | 79 |
Número de Palavras | 1.287 |
Média de Palavras por frase | 16,29 |
Palavras com mais de 6 letras | 239 |
percentagem de palavras longas | 18.6% |
Número de Sílabas | 2.432 |
Média de Sílabas por palavra | 1,89 |
Palavras com três sílabas | 306 |
Percentagem de palavras com três sílabas | 23.8% |