Tempo de leitura para crianças: 7 min
Ha uns dois ou três séculos, quando os homens eram mais espertos e astutos do que hoje em dia, numa pequena cidade ocorreu uma história muito estranha. Um desses corujões, mais conhecidos sob o nome de mochos, apareceu por acaso, altas horas da noite, vindo de um bosque vizinho, e entrou num celeiro; quando amanheceu, não teve coragem de sair do esconderijo com medo dos outros pássaros, que, toda vez que encontram um mocho, se põem a gritar de modo horrível. Logo pela manhã, o criado da casa foi ao paiol buscar um pouco de palha e, ao dar com aquele feio mocho empoleirado lá num canto, levou tal susto que disparou para casa e foi contar ao patrão que havia no paiol um monstro como igual jamais tinha visto em sua vida; um monstro que rolava os olhos nas órbitas e que poderia engolir qualquer um sem a menor cerimônia.
– Eu te conheço bem, – disse o patrão: – a tua coragem é suficiente para correres atrás de um melro no campo; porém, se vês uma galinha morta, não ousas aproximar-te sem um pau na mão. Irei eu mesmo ver que espécie de monstro é esse. Entrou, valentemente, no paiol e olhou para todos os lados; mas, ao ver com os próprios olhos aquele estranho e horrendo animal, seu susto não foi menor que o do criado. Com dois saltos pulou para fora, correu à casa dos vizinhos e suplicou-lhes que lhe viessem em auxílio contra aquele desconhecido e perigoso animal. Se não o ajudassem e o bicho saísse do paiol onde estava empoleirado, toda a cidade correria perigo. Com isso provocou medonho tumulto e alarido por todas as ruas da cidade; os habitantes, armados de espetos, de forcados, foices e machados, correram todos como se se tratasse de guerrear sabe lá contra qual inimigo. E vieram, também, os magistrados com o Juiz encabeçando a fila. Na praça do mercado, formaram-se em linha de combate e marcharam destemidamente para o paiol, cercando-o por todos os lados. Então um deles reputado o mais valente de todos, penetrou resolutamente de espeto em riste dentro do paiol; mas voltou imediatamente a correr, pálido como um defunto, batendo os dentes e sem poder proferir palavra. Mais outros dois arriscaram-se a entrar e não tiveram melhor êxito; por fim, um homenzarrão forte, famoso pelas suas proezas, aventurou-se, dizendo:
– Não é olhando-o apenas que enxotareis o monstro de lá. Aqui é necessário uma ação séria e decisiva. mas vejo que vos tornastes todos umas melhorzinhas, sem coragem de enfrentá-lo. Ordenou ao criado que lhe trouxesse a armadura, a espada e a lança; armou-se como um guerreiro. O povo exaltava-lhe a coragem, muito embora temesse pela vida dele. Mandaram abrir as duas portas do paiol e todos podiam ver o mocho, o qual, nesse interim, havia pousado sobre a trave central. O guerreiro pediu uma escada e encostou-a à trave e, quando começou a trepar, todos os assistentes lhe recomendavam que se portasse com a maior bravura e imploravam para ele a proteção de São Jorge, aquele que matara o dragão. O guerreiro chegou ao alto da escada, então o mocho percebeu que a coisa era com ele. Atordoado por toda aquela algazarra, aquela gente, aqueles gritos, sem saber onde esconder-se, o bicho ficou tão espantado que começou a revirar os olhos, eriçando as penas, abrindo as asas, batendo o bico, e fazendo ouvir o seu rouco. Hu, hu, hu, hu. – Dá-lhe, dá-lhe! – gritava o povo ao heroico guerreiro. – É, mas se estivessem aqui no meu lugar, certamente não gritariam: dá-lhe, dá-lhe! – resmungou o herói. Para bem da verdade, ele ainda subiu mais um degrau, logo, porém, pôs-se a tremer e desceu quase desmaiado. Não havia mais ninguém que se atrevesse a correr aquele risco. – O monstro, – diziam eles, – só com o seu hálito envenenou e feriu mortalmente o mais forte dentre todos; devemos pois arriscar a vida também nós? Reuniram-se em conselho para decidir o que deviam fazer para que a cidade toda não viesse a ser arruinada pelo monstro. Durante algum tempo as opiniões pareceram-lhe inúteis, até que, por fim, o Burgomestre achou uma solução. – Eu sou de parecer, – disse ele, – que se indenize com o dinheiro público o dono do paiol, pelo que contém: espigas, palha e feno e depois se deite fogo à construção a fim de destruir o terrível animal. Assim ninguém será obrigado a arriscar a própria vida. Aqui não se trata de fazer economias, e agir com mesquinharia seria injusto! Todo mundo aprovou a luminosa ideia. E, imediatamente, puseram fogo aos quatro cantos do paiol que logo se incendiou e com ele também se queimou miseravelmente o terrível mocho. Quem não acreditar, vá se informar.

Antecedentes
Interpretações
Língua
„O Mocho“ dos Irmãos Grimm é um conto que, com humor irônico, explora a tendência humana de temer o desconhecido. A história se passa em uma época em que as pessoas seriam mais espertas e astutas, mas a reação ao aparecimento de um mocho – uma simples coruja – demonstra o contrário. O medo irracional e a reação exagerada dos habitantes da pequena cidade transformam um evento ordinário em uma situação cômica e absurda.
O desenrolar do conto ilustra como a histeria pode se espalhar rapidamente numa comunidade. Inicialmente, um criado encontra o mocho e sua descrição exagerada alimenta o pânico. Esse medo coletivo mobiliza uma grande parte da população, armada como se enfrentasse uma grande ameaça, quando, na verdade, trata-se apenas de um pássaro inocente.
A intervenção das autoridades, incluindo o juiz e o magistrado, e a mobilização de um guerreiro famoso que também sucumbe ao próprio medo, adicionam uma camada de crítica social. Isso reflete como até mesmo aqueles considerados corajosos ou em posições de liderança podem ser igualmente suscetíveis a atitudes irracionais diante de pressões sociais e do desconhecido.
Finalmente, a solução drástica dada pelo Burgomestre, de queimar o paiol para eliminar a „ameaça“, satiriza as decisões extremas que muitas vezes são tomadas em momentos de pânico, sem considerar as verdadeiras dimensões do problema ou o impacto de suas ações.
O conto é uma crítica bem-humorada à forma como medos infundados podem rapidamente se transformar em desastres sociais em potencial, ressaltando o contraste entre a pretensa racionalidade humana e a realidade de suas ações impulsivas.
Esta narrativa dos Irmãos Grimm, intitulada „O Mocho“, oferece uma visão humorística e crítica sobre a natureza humana e as reações face ao desconhecido. O conto ilustra como o medo pode ser inflamado pela ignorância e como ele pode levar a reações exageradas. Aqui estão algumas interpretações e análises possíveis deste conto de fadas:
A Ignorância e o Medo do Desconhecido: O mocho, sendo apenas uma coruja, é transformado, através do medo coletivo, em um monstro ameaçador. Este elemento do conto sublinha como o desconhecimento de algo pode transformar um ser inofensivo em uma ameaça fictícia. O medo do desconhecido pode levar as pessoas a tomarem decisões irracionais.
Histeria Coletiva: A descrição das reações exageradas dos habitantes da cidade demonstra o fenômeno da histeria coletiva. O medo inicial do criado é amplificado por cada pessoa que toma conhecimento da situação, resultando em uma resposta comunitária desproporcional.
O Papel das Autoridades: A presença do Juiz e do Burgomestre que endossam e aumentam a gravidade da situação, e eventualmente tomam uma decisão drástica, sugere que as autoridades têm um papel significativo no direcionamento das reações públicas. Além disso, a solução proposta, de queimar o celeiro, evidencia como soluções impensadas podem ser tomadas sob pressão, com a justificativa sendo a segurança pública.
A Cobardia Disfarçada de Coragem: O conto critica aqueles que aparentam coragem, mas recuam diante de um perigo percebido. O guerreiro, apesar de suas armaduras e incentivo da multidão, logo percebe que sua bravura evaporou diante do verdadeiro encontro com o „perigo“. Isto revela a natureza humana de evitar confrontos diretos com o temor, preferindo, por vezes, deixar o fardo para outros.
O Sacrifício do Inocente: No final, a destruição do celeiro reflete como as soluções mais fáceis e destrutivas são frequentemente escolhidas para eliminar o que é visto como uma ameaça, sem se considerar as consequências para os inocentes – neste caso, o próprio mocho.
Sátira Social: Finalmente, o conto pode ser lido como uma sátira sobre a sociedade e seu comportamento ilógico e irracional diante de ameaças não compreendidas. Essa narrativa é um lembrete de como, muitas vezes, a percepção distorcida e coletiva pode levar a ações desnecessárias e danosas.
„O Mocho“ nos apresenta, através de sua simplicidade e humor, uma crítica atemporal sobre o comportamento humano que ressoa ainda nos dias de hoje, refletindo sobre a necessidade de compreensão e discernimento antes de agir.
„O Mocho“ é um conto de fadas dos Irmãos Grimm que aborda de forma humorística temas como o medo do desconhecido, o comportamento de grupo e a resolução irracional de problemas.
Linguagem e Estilo: O conto é narrado em terceira pessoa, com um narrador onisciente que relata os eventos de maneira objetiva e direta. A linguagem é simples e clara, característica comum nos contos de fadas dos Irmãos Grimm. Isso facilita a compreensão do texto por leitores de diferentes idades. Uso de expressões coloquiais e diretas („Eu te conheço bem“, „dá-lhe, dá-lhe!“) que conferem um tom de oralidade ao texto.
Estrutura e Narrativa: O conto segue uma estrutura clássica de introdução, desenvolvimento e resolução.
Introdução: Apresentação do mocho e a situação que causa pânico.
Desenvolvimento: Reação em cadeia de medo e tentativa de resolução pelos habitantes.
Resolução: Decisão drástica de incendiar o paiol para exterminar o „monstro“.
Diálogo e Personagens: Os diálogos refletem as características dos personagens, especialmente seu medo e hesitação. O uso do discurso direto intensifica o drama e a urgência da situação.
Medo e Pânico Coletivo: O conto ilustra como o medo do desconhecido pode levar ao pânico coletivo. A imagem do mocho, uma criatura inofensiva que é confundida com um monstro, simboliza como percepções equivocadas podem provocar grandes confusões.
Comportamento de Grupo: O comportamento do grupo é guiado pelo medo irracional e pela falta de informação. Destaca-se a falta de contestação das decisões de liderança, mesmo quando claramente irracionais.
Crítica Social e Humor: Há uma crítica implícita à credulidade e à tendência humana de exagerar ameaças. O exagero das reações dos personagens confere um tom humorístico ao conto e crítica a incapacidade de lidar com o desconhecido de maneira racional.
Soluções Irracionais: A decisão final de queimar o celeiro para eliminar o „perigo“ destaca a escolha por soluções drásticas e irracionais. Serve como um alerta sobre como ações impulsivas podem ter consequências desnecessárias e prejudiciais.
„O Mocho“ combina humor e crítica social de maneira eficiente, usando o medo do desconhecido para falar sobre a irracionalidade humana e o poder do comportamento coletivo irracional. É um conto que permanece atual, ilustrando como o desconhecimento pode levar a reações desproporcionais e frequentemente prejudiciais.
Informação para análise científica
Indicador | Valor |
---|---|
Número | KHM 174 |
Aarne-Thompson-Uther Índice | ATU Typ 1281 |
Traduções | DE, EN, DA, ES, FR, PT, HU, IT, JA, NL, PL, RU, TR, VI, ZH |
Índice de legibilidade de acordo com Björnsson | 43.3 |
Flesch-Reading-Ease Índice | 24.7 |
Flesch–Kincaid Grade-Level | 12 |
Gunning Fog Índice | 18.5 |
Coleman–Liau Índice | 10.5 |
SMOG Índice | 12 |
Índice de legibilidade automatizado | 10.2 |
Número de Caracteres | 4.551 |
Número de Letras | 3.585 |
Número de Sentenças | 38 |
Número de Palavras | 803 |
Média de Palavras por frase | 21,13 |
Palavras com mais de 6 letras | 178 |
percentagem de palavras longas | 22.2% |
Número de Sílabas | 1.525 |
Média de Sílabas por palavra | 1,90 |
Palavras com três sílabas | 203 |
Percentagem de palavras com três sílabas | 25.3% |